quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Chega de intolerância.

      Tenho que falar de Carnaval, mesmo em meio ao noticiário tenebroso das falcatruas do Guedes, das sandices do seu chefe. Tenho sim que falar de Carnaval, da qual, confesso, não sou muito adepto. Não que rejeite a manifestação dos foliões inveterados. O que hoje critico é a manifestação allegro ma non troppo, mas não tanto, pois promovida a exageros de bebida, e que não tem a mesma espontaneidade de outrora. 
      Podem me chamar de carioca saudosista, mas quando bondes carregavam figuras pitorescas e as escolas de samba traziam de suas raízes negras baianas não estilizadas, e as "rainhas de bateria" eram autênticas personagens enraizadas culturalmente em suas comunidades, aí sim eu gostava mais.
      A imagem que guardo dos bondes com figuras de uma ingenuidade ímpar penduradas com suas fantasias adaptadas de saiote, chupeta e até de vestido de noiva, me leva a refletir sobre as mudanças que ocorreram nestes últimos setenta carnavais que não brinquei, mas que compensaram por poder testemunhar a alegria alheia. Talvez lá no íntimo quisesse estar pendurado também no bonde São Januário. Aquele que "levava mais um operário...que iria trabalhar", como dizia a música de Wilson Batista e Ataúlfo Alves. Andar nos estribos do bonde, mesmo não sendo carnaval, eu ainda consegui. Era a excelsa manifestação da masculinidade na época. Nada mais simbólico para um adolescente dos anos cinquenta e sessenta.
      Nos anos setenta e oitenta o carnaval perde contato com as suas raízes e os clubes escondem dentro dos seus salões a não confessada vontade da burguesia de tirar a máscara com que se apresenta o resto do ano, a máscara do pudor.
      Os bondes há muito não mais existem, mas as fantasias e os requebros sobrevivem à custa de uma inocência perdida em vinte e um anos de repressão.
      Os moleques que correm a se pendurar nos bondes, pois já vivem pendurados no morro e pedindo socorro a cidade aos seus pés, como dizia o samba de Odemar Magalhães e Luis Antônio em 1953, hoje cantarão com toda a sua força o samba-enredo da Mangueira de Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo. E de lá nascerá a esperança.

Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais na escuridão

A esperança nascerá pois o povo há de entender o recado, mesmo em meio a esta tenebrosa escuridão: Chega de intolerância.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Abra-te sésamo.

      Como já escrevi aqui em algum momento, e a ideia não é minha e sim de John Dewey, teremos de ser pragmáticos(*), e perceber as sobreposições dos ciclos que se relacionam a existência humana; desde os que interferem nas condições físicas ( não confundam com a astrologia, mas El Ninho etc.. ) até aqueles relacionados as ações humanas no plano social. E um destes ciclos a qual me refiro é aquele na qual contamos os anos, os meses, nossas férias, as férias escolares, aos famosos períodos denominados "recessos" a que nossos exaustos juízes e parlamentares se dão para um repouso de mais de um mês. Entra ano e sai ano fenômenos sociais e econômicos dependem destes ciclos.                Podemos ver que durante este período "de festas" e "de férias", ou seja, os meses de dezembro, janeiro, fevereiro e março pouco acontece que venha mudar o estado e o ânimo político no nosso país (e mesmo de outros nas nossas latitudes). Existe até um dito popular e de conhecimento amplo em que se diz que "no Brasil o ano só começa depois do carnaval". Como Carnaval neste ano cai lá pelo final de fevereiro, o ano então só começaria em março. 
      Tenho que lembrar ainda que foi por esta época pós-carnaval, abril de 1983, que se abriu a janela das "Diretas Já".
     É baseado então nesta cronologia, neste ciclo, que penso que algumas mudanças advirão; seja no plano político, seja no plano econômico. 
    No plano econômico, tenho sérias preocupações e acho que devemos nos preparar para tempos mais difíceis, pois não tenho a menor esperança que o Guedes vá receber alguma inspiração positiva do divino; pois a se depender de sua sabedoria econômica e percepção da realidade, as esperanças serão nulas.
    No plano político haverá confluências e superposição de ciclos que derivam da nossa própria cronologia e outras influências externas que interferem na nossa já pálida soberania. Burocratas americanos preocupados e ocupados na manutenção de seus cargos, influenciados pela própria campanha das eleições presidenciais e mesmo pelas trapalhadas e confusões internacionais em se metem diplomacia e forças armadas americanas. Nem estamos aqui considerando as mudanças que poderão ocorrer no plano europeu no caso de substituição de Angela Merkel. Já que este fato sim poderá provocar mudanças políticas reais, pois Brexit, como se diz na gíria, já era; não afetará muito a política continental da União Européia.
      A superposição destes dois planos, pertinente a zeitgeist destes nossos tempos, é que imporá  o aparecimento de uma janela de oportunidade, e esta desencadeada por fatores: - a conscientização política dos jovens estudantes, como sempre, e a crescente exaustão do repertório de mentiras e  interpretações teatrais dos atores e feitores do poder imperial. Ou seja, Moro, Guedes e os demais. Quanto ao Presidente? Bem, este vive da interpretação desde há muito tempo e não será agora que fará algum diferença a mudança no cenário em que interpreta o papel de presidente.
      Dois fatores então irão ajudar a determinar a compor a solução daquele momento em que a abrir-se-á janela de oportunidade. O comportamento das massas jovens, sendo pouco ou nada afetado pela tentativa, (como sempre tem sido aplicada), da distorção e influência pela mídia alugada. E por via externa, a  necessidade do império aparentar isenção e até mesmo vir a cooptar por razões eleitoreiras, a depender de quem seja o opositor democrata a Trump, se vier a ser, como tudo indica,  ele mesmo o nome republicano.
      Dizer agora a resultante que irá se deslumbrar ao abrir-se esta janela, impossível. Só o demiurgo o dirá. Mas, sejamos pragmáticos, temos mesmo é que empurrar a carroça ladeira acima pra entrar no templo e então alcançar o trinco desta janela. 
      Ou da porta, se lembrarmos do "Ábra-te sésamo" do Raul Seixas.

(*) - melhor seria utilizar a expressão de forma como nos ensinou Whitehead