sábado, 7 de fevereiro de 2015

Memórias Musicais III

Embora a política ainda esteja me aborrecendo, já que os últimas manchetes são absolutamente imorais, nem se incomodando mais em esconder a natureza agressiva da guerra do petróleo. Não conseguem mais esconder a busca à presa, pois estão em pleno voo de ataque. Querem levar à qualquer preço nossas jazidas, e ainda existe gente que nem percebe. Ou são ingênuas, ou cheias de ódio. Não há outra explicação. 
Portanto continuo na arte até o Carnaval passar, pois será depois é que os fatos relevantes irão ocorrer. Por agora o que se vê é a construção de uma crise, no aguardo de um desastre, ainda que artificial, que tantos esperam, tantos e quantos malintencionados e outros tantos ingênuos, pseudo ingênuos, pseudo espertos. Continuo na arte então.

Bem, quanto à memórias musicais, lembro-me de uma montagem de "Tristão e Isolda" que fui assistir em 1982, após uma ausência da montagem completa dos palcos fazia quarenta anos. Montagem espetacular. Sem saber que iria assistir um espetáculo tão demorado, já que os intervalos duravam meia hora, junto com a platéia nem percebemos que ficamos das sete da noite até a meia noite. Valeu cada minuto.

Houve outra montagem de Tristão e Isolda, por Gerald Thomas. Recebeu uma estrepitosa vaia da platéia que, conservadora, não aceitou a vanguarda, Gerald Thomas não se fez de rogado, abaixou as calças e mostrou a bunda pra plateia, que se enfureceu mais ainda. Não presenciei, pois não pude ir assistir, estava fora. Tivesse ido assistir talvez teria perdido a sensação de 1982, lá se vão 33 anos de ternas memórias de cada minuto.

Mas seguindo com as memórias, lembro-me ainda quando descobri na Voz ( é maiúscula mesmo) de Ângela Maria a música do "Pescador de pérolas" de Bizet, o trecho "me par d´udire ancora". A letra em português dizia ao final: "o amor só é divino para quem sabe amar". Após cantarolar indo para Escola Honduras, antes de cantar o Hino Nacional, sempre me intrigava melodia tão suave. Foi mais do que gratificante quando pude ouvi-la no balcão nobre poltrona I-8, quando era assinante.
Por hoje é só.





quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Memórias Musicais II

Não queria deixar passar tempo que fizesse sumir da lembrança a primeira vez que ouvi Heckel Tavares. Não sabia quem era ele, eu era criança. Ouvia uma parte de seu "Concerto em formas Brasileiras" para piano e orquestra, em uma cortina musical na Rádio Nacional. Não fazia ideia que tanta beleza ainda se completava em um concerto inteiro. Somente mais tarde pude conhecer a obra completa com a OSB regida por Eleazar de Carvalho, e com o pianista Heitor Alimonda, não tenho certeza. A memória me falha, pois era 1960, 1965. 
Sei que esta obra também foi um marco importante de minha memória. Mas na época já havia me convertido ao "wagnerianismo", após ouvir o "Tanhauser". Logo depois "Tristão e Isolda", "Rienzi", "Lohengrin", os "Mestres Cantores". Então entendi a intensa emoção com que minha tia-avó Emília Leopoldina falava da vez que fora assistir, ainda no século IXX,  "As Valquírias" no Teatro Lírico, que ficava então no Largo da Carioca, demolido por volta de 1930. Ela ficou deslumbrada para o resto da vida.
Passei a ser um wagneriano; ouvia e ouvia Wagner descobrindo à cada vez uma nova emoção e uma nova e intensa transcendência. Até que nos antigos "Concertos para Juventude", já não mais com Eleazar de Carvalho, mas com Isaac Karabtchevsky, ouvi Alberto Nepomuceno. Pronto, saí do transe wagneriano. Logo, no mesmo concerto caí no samba. O samba era a peça de Alexandre Levy, "Samba".  Fiquei também fan de Alberto Nepomuceno. Lembro de um colega de escola, o Wagner Luiz, que não suportava ouvir o nome do compositor apesar de ser amante da boa música; dizia que o nome soava como "seno" e "coseno" e então lembrava dos zeros que tomara em trigonometria. Dono de boas tiradas, foi ser radialista esportivo, dono de emissoras FM em Nova Friburgo e outras cidades próximas. Deixou-nos ainda jovem em um desastre na tortuosa estrada da serra.  
Muitos anos mais tarde, 1989, conheci um grande engenheiro tcheco, Jiry Talafous, de Brno, também aficionado por Alberto Nepomuceno, pois o ouviu em Praga. Quando soube que eu conhecia e gostava do tcheco Bohuslav Martinu, então é que ficamos amigos, me visitou e até fez minha mulher visitante  contumaz de Praga. Saudades do velhinho Talafous, que pesquisava a genealogia tcheca de Juscelino Kubitschek. Saudades de nossas conversas sobre música.
Mais memórias musicais ainda virão, mas deixo para depois.
Para encerrar este papo, aconselho ouvir o programa da Rádio MEC FM sábado às 11:30 h.



quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Charlie, à pedidos

Queria dizer que eu não sou Charlí

Eu sou Zé, não sou Charlí.
Sou brasileiro, sou do Rio de Janeiro,
mas também do Rio Grande e também do Piauí
Não guardo ódios eternos,
sou tolerante, dizem até que sou Carneiro

Não importa, sou tolerante, sou Zé.
Me chamam de Zé Carioca, 
que diferença faz ?
Por isso minha casa é de caboclo,
onde um é pouco, dois é bom, três é demais.

Venho das praias formosas
Dos pampas, do seringal...
Pra mim e para o meu povo
A paz nunca é demais.

Sou Zé, não guardo rancores
Sou beato, sou devoto
da Senhora Aparecida.
Mas sou filho de Xangô
Oração é minha vida.
Já rezei em sinagoga
Em terreiro de umbanda
Sou Zé da paz e do amor,
Saravá a sua banda.

Sou Zé, não sou Charlí
Futebol e religião 
não se deve discutir
Foi assim que aprendi.
Respeito a crença dos outros
é isso que vem primeiro
seja judeu, cristão, macumbeiro.
Sou Zé,  não sou Charlí,

Sou Zé Brasileiro,
Respeito é o que vem primeiro.
Diz o Povo Brasileiro
do Oiapoque ao Chuí

Eu sou Zé, não sou Charlie.

Depois do Carnaval

Querem estragar o Carnaval do povo aqui do Rio de Janeiro, ah, querem. Mas não vão conseguir, pois esquecem que por baixo dessa aparente letargia existe, existe sim, um indomável espírito que sobrevive, é eterno. No Carnaval já cantou o Brasil de todas as formas, já pintou aquarelas, já cantou com Bidú Saião, já cantou as obras de Monteiro Lobato, já manifestou de infinitas formas o seu feitio, a sua alma. É certo que também vendeu e comercializou um espetáculo que não é exatamente tudo que falei. Enfeitaram as Escolas com o supérfluo e mesmo as travestiram com a contravenção, mas sobreviveram. 

Sei que também existe uma parte desta gente que não liga pra gente, pra qualquer gente. Pouco se dá pelo outro, pelo sofrimento do outro. E já está assim há muito tempo, vem desde os tempos de colônia, são os aliados do colonizador. São os seus apaniguados e também os capatazes, capitães do mato, que se contentam com o que sobra da casa-grande. Fizeram escola também.
Mas o Carnaval lava a alma. E este ano vai lavar e encher os mananciais que estavam secos. Vai haver enchente até.

Ah, quando o Carnaval passar. Esperem e verão o início das aulas de civismo e cidadania que virão. Esperem e verão.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Memórias musicais

Tenho escrito sobre política ultimamente, justamente por sentir a clara intenção dos ataques ao Estado Brasileiro; efetuado por alguns nacionais, mas notoriamente comandados desde fora por instituições privadas e estatais. Não resta mais dúvidas, a quem tenha um mínimo de percepção e que não tenha uma razoável ingenuidade, que o ataque se faz através da colimação dos alvos relacionados ao petróleo. Deixou de ser oculta manobra, para claramente expor os agentes e contendores.

Mas, como para mim e para quem não seja tão ingênuo, passou a ser o óbvio, sinto um distanciamento do tema; não porque não  queira manifestar repulsa e vontade de combater esta agressão expressa, clara e virulenta, mas porque  este espaço quero que tenha amplitude maior e quero também trazer temas que margeiam o tema central que é enfim a nacionalidade. 

E hoje me motivou muito ouvir o "Frevo" de Claudio Santoro, obra grandiosa, complexa, mas acima de tudo, profundamente brasileira. Frevo mesmo, mas ligado com Gershwin, com Aaron Copland no "Apalachian springs". Fantástica música que me levou aos tempos da Rádio Nacional, quando Claudio Santoro me guiava na brasilidade. Ao pé do rádio, ouvia a vasta musicalidade deste, inclusive nas suas incursões na música popular. Esta também me enchendo o espírito de alegria, quando ouvia Marlene, Emilinha Borba, Rogéria, Carmélia Alves, as irmãs Batista, Dircinha e Linda. Me intrigava Albertinho Fortuna, nome de fortuna. Devia ser muito rico.

Mas um dia lá por 1952 apareceu um tal de Camargo Guarnieri e tocou "Dança Brasileira". Daí em diante o mundo nunca mais foi o mesmo. Tinha definitivamente enfeitiçado minha alma. Naquela enxurrada em diante vieram Villa Lobos, Lourenço Fernandes, Alexandre Levy, Guerra Peixe, Alberto Nepomuceno, Frutuoso Viana, até chegar a me apaixonar pela voz de Violeta Coelho Neto de Freitas e Stellinha Egg de quem fui namorado dos nove anos até nove anos e meio, uma eternidade na época, amor verdadeiro. Até que um dia ela vai cantar lá na Escola Uruguay, convidada da nossa professora de Música Da. Arminda Villa Lobos. Eu cursava a terceira série do primário e eu a ouvi cantar o "Boi Barroso", "Lamento Negro", "Terra Seca". Linda apresentação mas...ela traz seu marido, o Maestro Gaya. Fim do romance.  Entretanto aquela dor logo logo foi esquecida quando, em maio de 1954, veio à Escola, convidado pela Da. Eulina Nazareth, que era filha de Ernesto Nazareth, o próprio Villa Lobos, em carne e osso. Ensaiou as crianças no "Canto do Pajé". Aí eu já não era mais criança, virei deus. Lembro da letra até hoje e Betânia já cantou também:

Oh, manhã de sol, anhangá fugiu
Anhangá ê, ê
Ah,  foi você quem me fez sonhar
Para chorar a minha terra

Guaraci, ê ê
Anhangá fugiu
Oh manhã de sol
Anhangá fugiu
Canta voz do rio
Canta voz do mar
Tudo sonhar
O céu, o mar, o campo, as flores
Oh manhã de sol
Anhangá fugiu

Oh Tupã, deus do Brasil.
Que o céu enche de sol
De estrelas, de luar e de esperança
Oh Tupã tira de mim essa saudade
Anhangá me fez sonhar
Com a terra que perdi

Até que em 1987 conheci alguém que dividiu comigo a minha divina paixão, já que enquanto eu ficava ao pé do rádio ela saía do trabalho correndo para o auditório da Rádio Nacional. Conheceu Stellinha pessoalmente, conheceu Ercole Varetto, Lyrio Panicalli, Radamés Gnatalli, Emilinha e Marlene.
Um dia resolvemos cantar nossa alegria última. Não importava a platéia, não importava mais o tempo, pois era o último tempo.
Pena que passou, memórias.
Já não canto no café da manhã mais as canções de Radamés, de Humberto Teixeira...Elizabeth já não está mais aí para ouvir e cantar. 
A alegria da manhã dá lugar a lembranças, belas lembranças...

Oh, manhã de sol, anhangá fugiu
Anhangá ê, ê
Ah,  foi você quem me fez sonhar
Para chorar a minha terra.
"Zu meinem Land zu weinen"




segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Memórias

Há pouco escrevi um texto dizendo que a verdade sobrevive. Mas é apenas uma crença, uma esperança. Agora, entender, ou mesmo especular, porque a verdade sobrevive, está intimamente ligado a sobrevivência da natureza. E não precisamos de profundos aportes de filosofia ou textos rebuscados; podemos ver na natureza a prova inconteste. Atacada por todos os lados, tendo sistemas extremamente complexos, de equilíbrio instável, sobrevive, se adapta, se acomoda sacrificando espécies, fazendo das mais rústicas, nem sempre as mais belas, o legado desda capacidade, e o registro histórico da sobrevivência.

A natureza voando na letra da música de Chico Buarque, "Passaredo", acabou virando nome de empresa aérea, voando aviões que atendem pelo nome de ATR 72. Já na natureza o vôo é acompanhado pelo canto e seus cantores atendem pelos mais prosaicos nomes: canário, viuvinha, tiê-sangue, cambaxirra, sanhaço, sanhaço-do-coqueiro, pintassilgo, coleiro, biquinho-de-lacre, cardeal, lavadeira, colibri, urutau, pardal, tico-tico, chapim, rolinha, quero-quero, bem-te-vi. Toda esta "troupe"  tem sobrevivido aos mais variados ataques, do pesticida à eliminação de seu habitat. Mas resiste, tal como a verdade.

A motivação e a reflexão sobre este tema veio no sábado, depois de ir ao barbeiro onde ia o meu amigo Franscisco, quando vinha caminhando pela movimentada rua Voluntários da Pátria. Lá em meio a trânsito de ônibus e toda a balburdia urbana, pousa próximo um bem-te-vi, espécie resistente e aguerrida que vi defendendo seu ninho bravamente frente a um gavião ( falconídeo, fica mais elegante ) malvado lá na floresta de Carajás. Cantava e cantava e seu canto me dizia claramente, "estou aqui, estou aqui", e porque viu que eu prestava atenção ao seu número respondia "bem-te-vi, bem-te-vi". Procurei a razão dele estar ali:- seu ninho ficava atrás de um letreiro enorme de uma loja de um internacional vendedor de jerk-food. Era o contraponto da verdade. 

Mas não bastou este encontro, caminho mais adiante e me deparo com uma borboleta "capitão-do-mato". Nem sei porque tem este nome, se pela beleza, se pelo grande tamanho. Lá voejava na rua já menos movimentada e mais arborizada. Belo espetáculo de azuis e movimento. A natureza insistia em sobreviver, resistia.

 A caminhada e as reflexões me remeteram ao "galo da madrugada", não pela proximidade do Carnaval, mas pelo blog que escrevi no dia 13 de junho de 2013, dia de Santo Antônio, santo casamenteiro, santo da prole, da sobrevivência, e me levavam não a biologia ou a filosofia, mas a simples memórias. É verdade que tais reflexões estavam ligadas aos princípios da auto-poiesis, complexa faculdade de se auto-criar, de se reinventar, decifrada por Varela e Maturana, biólogo e filósofo.  Ali estava o segredo do bem-te-vi e da capitão-do-mato, a adaptação, ainda que forçada, a contínua luta pela sobrevivência sempre se adaptando, mas lutando. 

Esta luta se faz pelo aprendizado, pela experiência, pela preservação da memória, pela valorização das memórias. Memórias, recurso de sobrevivência. 

Continuei caminhando recompondo a memória de meu amigo Francisco que me levou tão longe para cortar cabelo. Voltei caminhando e encontrando a verdade da natureza em meio ao caos das ruas. Minhas memórias, verdadeiras memórias, eram um sinal de vida.  

Não haverá verdade sem memória.