quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Decrepitude: A instituição ou o general?

 

  1. Hoje eu tinha mesmo que falar sobre esta situação em que se encontram os militares brasileiros. Não falei antes sobre o General ex-porta-voz porque Hildegard Angel o fez de forma inteligente e sintética. Não poderia dizer mais nada. Mas ainda sobram motivos de sobra, principalmente aquela em que o General Heleno participa de reunião com os advogados do Senhor Flávio Bolsonaro, dentro das dependências palacianas, com objetivo de tentar anular as investigações efetuadas pela Polícia Federal.
  2.  Já não bastasse ser acusado, inclusive pelos comandantes militares de outras nações na Força de Paz do Haiti (MINUSTAH), de ordenar o massacre na favela Cité Soleil em Port-au-Prince, capital do Haití, ainda apoia o capitão jubilado por indisciplina e que assume a Presidência eleito sabe-se muito bem como. A Globo que o diga, apesar de agora estar sendo escorraçada. Este General presta-se a participar destes encontros milicianos. Como sua corporação, o Exército Brasileiro, isto é, os seus colegas generais na ativa, veem esta situação? Como o Comandante aceita esta ética ao contrário?
  3. Até onde veremos os nossos prepostos ao uso da força, os que têm obrigação da proteção da Nação e de seu Povo envolvidos, por este general decadente, nesta vergonhosa e decrépita façanha?

Planejava, logo pela manhã, dizer alguma coisa sobre o artigo do Exmo. General de Divisão que defenestrado do círculo dos acólitos do candidato a Cesar, piromaníaco, miliciano emérito. General este que resolveu falar o óbvio para a já maioria do brasileiros. 
No entanto li a coluna da querida Hildegard Angel e ví que nada mais era preciso dizer. Ela descortinou a visão do inferno, e assim deu o título ao seu texto que reproduzo abaixo. Nada mais tenho a dizer sobre este episódio do "general arrependido", mas, que durante um bom  tempo foi bem remunerado com o dinheiro que falta (assim dizem) ao auxílio emergencial. 

Eis o texto que vale a pena ser lido e relido.


Hildegard Angel

        Jornalista, ex-atriz, filha da estilista Zuzu Angel e irmã do ex-militante político Stuart Angel Jones

Visão do inferno

E nós, brasileiros, condenados a sermos eternos retirantes, passeando nossa desgraça ante os olhos distantes de robustos espectadores estrangeiros

28 de outubro de 2020, Por Hildegard Angel, para o Jornalistas pela Democracia

    O fogo nos consome. Queimam os sabiás, as palmeiras de Bilac, as onças do Pantanal, a maçaranduba, o cedro, os jatobás de nossa Floresta Amazônica. O hospital público deficitário arde em chamas e respira por aparelhos, num esforço desesperado para, mesmo sem fôlego, salvar nossas vidas secas. O incêndio não é desastre, é projeto. A Pátria é o butim que eles golpeiam, esquartejam, repartem.

 
Como hienas famintas, se atiram sobre nossas carnes. Um quer o Banco Central pra dividir com seus cupinchas. Outro quer dar o sistema de saúde pros comerciantes da dor, nem que para isso se redija nova Constituição. O senador pleiteia o aquífero pra sua multinacional vender em garrafas plásticas. O Pré-sal já se foi, junto com nossas esperanças equilibristas…

    Enquanto isso, o “imperador piromaníaco”, assim tão bem definido por seu ex-porta voz, toca sua harpa em desafino com a vida, e “o coral dos puxa-sacos cada vez aumenta mais”.

    Quando partirem, nos deixarão a carcaça atirada na caatinga, como no quadro de Portinari. E nós, brasileiros, condenados a sermos eternos retirantes, passeando nossa desgraça ante os olhos distantes de robustos espectadores estrangeiros, que assistem pela TV ao holocausto do Terceiro Mundo, como seriado da Netflix.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Os insatisfeitos

Desde o Carnaval deste ano que não consigo externar uma opinião acerca da nossa situação como país. Afora uma pandemia que nos imobiliza deixando até de contratar serviços caseiros e de reparos, o que nos obriga a fazê-los, confesso que me sinto imobilizado mais por incapacidade de compreender a natureza profunda desta nossa situação, mais do que os empecilhos. 

No entanto, percebo claramente que o desenrolar dos fatos que se sucedem desde há sete anos (2013) foram cuidadosa e profissionalmente plenamente planejados, por quem de interesse, apoiados por trânsfugas que se prestaram a este serviço, ou por ignorância, ou por interesse financeiro, ou por ódio, ou por puro “malcaratismo” mesmo.

A imagem de 2009 que me ocorre simbolicamente revela as causas desta desconstrução a que assistimos do Estado Brasileiro, e que repito abaixo, se associa a participação do Brasil nos BRICS, o que oportunizou uma comunicação minha a Presidente Dilma Roussef, alertando das possíveis consequências geopolíticas por parte dos Estados Unidos. Já que seus interesses de domínio geopolítico e sua doutrina de controle da América Latina estavam sim sendo ameaçados pela liderança brasileira e pela “insubordinação” de Evo Morales, de Chaves e de Kirchner.

Ser reconhecido pelo editor na condição de “estar decolando” como país industrializado, ainda que muito pouco, mas dando os primeiros passos na direção para alcançá-la através da educação, alertou a inteligência americana. O Pré-Sal oportunizaria fazer tal decolagem. Urgia então planejar esta desconstrução. Toda a máquina burocrática da inteligência americana, que já estava empenhada desde 2005 com “mensalão” neste projeto de desconstrução, que envolvia desde a aplicação de recursos locais de comunicação de massa, notadamente a Rede Globo, a participação do Judiciário se orientou na remoção da esquerda do poder. Até então não se cogitava da aplicação direta das Forças Armadas. Mas se viu obrigada a utilizá-la, já que pela via eleitoral parecia impossível. Um projeto foi então meticulosamente elaborado, utilizando-se todos os recursos locais disponíveis no inventário da classe aburguesada que há muito se envergonhava (há controvérsias) de ter apoiado torturadores, estupradores e assemelhados. Avaliou-se qual o maior “armamento” que dispunha então o governo petista para fazer frente ao esgotamento de recursos que lhes impunha o Legislativo e o Judiciário: Petrobrás. 

Daí em diante todos, inclusive o mais ardoroso direitista, sabemos o desenrolar. Construiu-se um deus, com pés de barro é claro, para poder dele se desvencilhar quando necessário, que, como juiz, faria o papel de acusador, investigador, e tudo mais. Dele se toleraria tudo, até as mais torpes manobras, pois era o instrumento que seria utilizado para, após aplicar o golpe parlamentar, tal como se perpetrara no Paraguai, impedir o retorno petista ao poder. Bastava encenar o ato final desta “ópera bufa”: utilizar as forças armadas para garantir, através de GLO (medida criada aos tempos do Governo Dilma) possíveis rebeldias. 

Tudo profissional, bem planejado, mas como soe as ações que envolvem banditismo, os partícipes acabam por se desentender, já que o moto de cada um destes implica na eliminação de seu concorrente pelo poder Eis então o quadro que se apresenta, emoldurado por uma pandemia que imobiliza protestos e neutraliza reações: desgoverno e desorganização do Estado.

Mas … E se vier a vacina e todos se sentirem seguros de ir para as ruas?

E, se por processos intrínsecos à bioquímica do vírus, a pandemia arrefecer? O que me parece improvável até 2022.

E se? Incluindo aí uma “virada” no governo americano.

E se...os militares brasileiros, por algum motivo esotérico, se sentirem envergonhados por terem sido usados nesta patranha contra o Estado Soberano?

Haverá muitas condicionantes, mas uma coisa é certa: arrefecida a pandemia a reação natural a esta sandice irá se desencadear, pois o nível de destruição que se aproxima é imenso.

No entanto, por maior que seja o desastre, estaremos inseridos no cenário global e a mudança em uma variável modifica o estado deste sistema complexo e imenso; tanto em direção a sobrevivência, quanto em direção a destruição.  Nestes últimos dez mil anos uma tem prevalecido, apesar de muitos impérios terem desaparecidos e muitas nações já nem existirem mais, apesar de milhões sucumbirem nas guerras insufladas por poderosos, apesar da impotência biológica diante de um agente micrométrico: a desesperada necessidade de sobreviver aliada ao progresso impulsionado pelos insatisfeitos.


Chego cedo ao trabalho, exatamente para poder ler com calma e decifrar o que a mídia, os blogs e os e-mails que faz parte minimamente da obrigação de se manter informado; senão, "atualizado das fofocas", diria minha saudosa sogra. 
Como chego bem cedo encontro a equipe da limpeza das salas aqui da Secretaria de Segurança, quase na sua totalidade composta por senhoras; o quadro masculino serve aos serviços mais pesados. Pois bem, por aqui trabalha uma senhora, ou senhorita não sei bem, de nacionalidade espanhola. Chegou aqui há uns dois anos e conseguiu ir morar lá em Piabetá, Distrito de Magé ( ou de Caxias ? Não sei ao certo ). Sincronizada comigo ela chega, assim como as outras, lá pelas sete horas, ou mesmo antes. Depende do trem. 
Esta senhora  veio fugida do desemprego desde lá do Reino de Espanya, já que é catalã de Girona e mais precisamente, disse ela, da fome.

Já instalada em Piabetá, que fica na distante periferia da nossa metrópole, disse-me ela que passou a ter um  "esmozar" logo de manhã, um "dinar" lá pelas dez horas, um "almuerzo", um "entrepá" as quatro da tarde, e em casa, um "sopar". Chamou-me atenção que tanto no almoço e no jantar ela mencionava enfática que havia carne, ou peixe, ou frango, quase sempre.

Pois bem, já fazem uns meses ela trouxe a avó lá da cidadezinha de Taradell para Piabetá. A razão desta, até triste, mas salvadora migração: - esta senhora de 86 anos comia apenas um "rotllo" por dia. Ou seja, um paõzinho apenas. Essa dieta de campo de concentração foi graças a salvadora ( para os bancos? ) política desde Madrid que condenou os trabalhadores a fome e ao desemprego. E agora mais ainda ao despejo de suas casas.

Esta senhora me relatou a situação precária de seus compatriotas que, para se intitularem europeus, pagam um preço irreal, desnecessário e imoral. Em condições típicas dizer que sair da Espanha, Girona, para Piabetá é um fato isolado que não representaria a realidade espanhola e mesmo européia. Posso dizer que Poisson me auxiliaria a provar que, exatamente, por este fato está aí representada a mais rasa e suja realidade: a submissão ao capital especulativo, que viveu e fez viver a fantasia do dinheiro fácil, à custa de antípodas asiáticos, africanos, latino-americanos que drenaram as suas riquezas em direção a Europa e ao EUA.

São os mesmos que botaram a Espanha de  joelhos, juntamente a Grécia, Irlanda, Portugal, Islândia e agora Itália (dentre vários), que apregoam medidas financeiras irresponsáveis cuja única meta é abarrotar ainda mais o baú de especuladores. Será que não cabe na cabeça de uns inocentes úteis daqui de nossas plagas que, seguindo este caminho, estaremos todos nós comendo apenas um "rotllo" por dia? E que teremos vergonha de lembrar que fomos capazes um dia de prover ao pobre viajor emigrante as refeições que lhe negaram na terra natal ?  

É exatamente o que está agora movendo as manchetes da nossa mídia, alugada para este fim:  enganar. Faz-me lembrar aquela historinha do Chapeuzinho Vermelho ( nenhuma alusão ao "barrete frígio" ):

- Por que este juro tão grande vovozinha?
- Pra conter a inflação Chapeuzinho
- Por que este desemprego tão alto vovozinha? 
- Pra conter a inflação Chapeuzinho.
- Pra que esta dependência tão grande ao capital internacional vovozinha?
- Pra te comer melhor Chapeuzinho. Será que não percebe? Garota burra e ingênua.

A minha companheira de trabalho espanhola serve como prova viva que não é um fenômeno raro e que, exatamente por estar aqui em Piabetá, serve como prova estatística. Esta companheira não é nem burra nem ingênua: salvou a sua vida e de sua avó, e sabe muito bem diferir o que é ilusionismo capitalista e realidade produtiva.  Varre todas estas salas para prover quatro refeições por dia a sua família.
Disse para mim semana passada, até com certa tristeza por não podê-lo: "Si jo vaig votar, vot en Dilma" 
    

Injustiça e mérito

Nem precisa ser um bacharel, advogado, ou amanuense, (ou coisa assim), para perceber o que jaz na formação de alguns juízes. 

Há muito se propaga a ideia de meritocracia como meio de se alcançar o bem estar e a justiça social, a democracia. Nada mais retrógrado, senão o pensamento em voga e vigente nos séculos XVII e IXX, como aparece na crítica de Pierre Rosanvallon em "A Sociedade dos Iguais",. Lá o autor cita: ...

"O grande sociólogo britânico Michael Young foi o primeiro a falar nos anos 60 da meritocracia, que é um velho ideal dos séculos XVIII e XIX. Young definia como um pesadelo todo país que fosse governador pela meritocracia. E é um pesadelo porque, neste caso, ninguém teria direito a protestar contra as diferenças. Se todas as diferenças estão fundadas sobre o mérito, aquele tem uma condição inferior a tem por culpa própria. Trata-se então de uma sociedade onde a crítica social não teria mais lugar."  

Se alguns juízes, chegassem ao mínimo de reflexão não estariam à cometer as mais rasas e absurdas injustiças e ilegalidades. Isto porque não lhes é cobrada pela sociedade a ponderação e o interesse coletivo, ideia mãe de democracia. 

Pois aí está o Sr. Marcelo Odebrecht preso há mais de quatro meses, por um juiz, concursado por certo, ocupando um cargo "de mérito" sem dar satisfação qualquer a nenhuma instância de direito ou saber superior.
Que meritocracia é esta ? Hipócrita e burra. O juiz, à seu talante, joga na prisão quem lhe parece suspeito ?  Baseado em uma delação premiada (oxímoro mais do que óbvio) ? 

O Almirante Othon lá está aguardando a boa vontade do juiz. Fartas e sobejas provas revelam outros interesses mais amplos e universais por trás da prisão do Almirante, que nada têm à ver com com propina.

Deu no que deu, acharmos que poderíamos fazer justiça fazendo ocupar postos importantes da administração pública pessoas cujo mérito era medido por apenas uma prova.  A prova de conhecimento imediato é necessária ? Claro que é. Mas não haver qualquer aferição do postulador ao cargo sobre seus conhecimentos sociais, suas intenções, seus discursos, é primário, infantil. 
Não gosto de fazer comparações externas, mas tenho que citar os Estados Unidos, onde xerife de polícia é escolhido em eleição. 

Voltando ao assunto do empresário e do almirante; até onde vai e quando irá parar esta sandice ?

Parece que por não mais serem motivos de manchetes estão lá os dois à apodrecer na prisão e o senhor juiz flanando por aí, dizendo um monte de sandices, dando declarações estapafúrdias ( que nem meu filho estagiário de direito diria ). 

Temos que cobrar uma solução para estes absurdos que a meritocracia criou.
Se não, ...interesses escusos

Sugiro a leitura do artigo de Samuel Pinheiro Guimarães :   
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20592
Nela, sua análise sempre plena e lúcida, traz à tona o problema crescente e crônico da desindustrialização.
Nem querendo corrigir, mesmo não conseguiria, nem querendo adicionar, gostaria de aproveitar o espaço crítico aberto pelo nosso insígne diplomata para colocar uma questão que acho pertinente e componente desta nossa "patologia": não temos coletivamente o propósito da produção própria. Se fôssemos traduzir, diria esta ausência remonta à escravidão que acabou envenenando nossa alma.
É, terminou; terminou após um mês de jogo de futebol quase todo dia.
Na sua maior parte, na classificação, foram três jogos por dia.
Para mim, que não sou fanático por futebol, foi até muito. Mas
confesso que já sinto saudades da Copa. Não dos jogos que assisti pela
televisão, alguns até em trechos de gravações à posteriori, mas da
Festa.
No bairro onde moro, onde há muitos albergues e hospedagens, o que
mais via eram torcedores e torcedoras jovens de várias nacionalidades.
E como jovens que eram, bonitos. Parecia uma Torre de Babel, ouvia-se
alemão, espanhol de diversos sotaques, bósnio, francês, inglês e até
uns mais velhos que falavam welsh, galês.
Ouvi outros idiomas que não faço ideia de quais sejam.
Foi uma verdadeira festa e posso dizer do fundo do coração: não ha
preço que pague. É como você fazer uma festa na sua casa e esta ser
muito concorrida. Nos enche de encanto, quanto mais, cheia de meninas
jovens lindas.
Festa é sempre bom.
Bom até para aqueles, que oprimidos, se alegram com esta comemoração,
um simples jogo de futebol.
Está até nas Escrituras, Provérbios 15:15 "Todos os dias do oprimido
são maus, mas o coração alegre é um banquete contínuo". É por esta
razão que a festa alegrou meu coração, independentemente dos custos e
dos ganhos, que afinal foram enormes. O mais importante foi este ganho
imaterial da alegria, mesmo com derrotas.
Afinal fomos solidários com os demais (29) vinte e nove países. Os
outros três se alegraram na comemoração dos jogos: Alemanha, Argentina
e Holanda. Nós e mais vinte nove não tivemos a mesma sorte, por razões
mais variadas, algumas até indizíveis, mas a alegria de receber foi
somente nossa.
No entanto após ouvir as mais variadas opiniões de entendidos de
futebol (derrotados, mas continuam entendidos) que sabem explicar a
derrota, fico buscando em outro extremo a causa de tamanho sucesso do
certame. Não faltou avião, não faltou hotel, não faltou ordem, não
faltou telecomunicação. Só faltou futebol brasileiro, mas de resto
todo mundo viu a grandiosidade de estádios e do espetáculo. A causa do
sucesso, qual seria?
Temos que lembrar também que houve quem destoasse, palavrões,
xingamentos, cambismo, mas realmente não chegou a arranhar a imagem  e
o bonito.
Qual seria a causa de tamanho sucesso?
Ah, simples: simplesmente o povo quis.
Muitos nem perceberam, tão longe que estão do Povo e da realidade.
Chego cedo ao trabalho, exatamente para poder ler com calma e decifrar o que a mídia, os blogs e os e-mails que faz parte minimamente da obrigação de se manter informado; senão, "atualizado das fofocas", diria minha saudosa sogra. 
Como chego bem cedo encontro a equipe da limpeza das salas aqui da Secretaria de Segurança, quase na sua totalidade composta por senhoras; o quadro masculino serve aos serviços mais pesados. Pois bem, por aqui trabalha uma senhora, ou senhorita não sei bem, de nacionalidade espanhola. Chegou aqui há uns dois anos e conseguiu ir morar lá em Piabetá, Distrito de Magé ( ou de Caxias ? Não sei ao certo ). Sincronizada comigo ela chega, assim como as outras, lá pelas sete horas, ou mesmo antes. Depende do trem. 
Esta senhora  veio fugida do desemprego desde lá do Reino de Espanya, já que é catalã de Girona e mais precisamente, disse ela, da fome.

Já instalada em Piabetá, que fica na distante periferia da nossa metrópole, disse-me ela que passou a ter um  "esmozar" logo de manhã, um "dinar" lá pelas dez horas, um "almuerzo", um "entrepá" as quatro da tarde, e em casa, um "sopar". Chamou-me atenção que tanto no almoço e no jantar ela mencionava enfática que havia carne, ou peixe, ou frango, quase sempre.

Pois bem, já fazem uns meses ela trouxe a avó lá da cidadezinha de Taradell para Piabetá. A razão desta, até triste, mas salvadora migração: - esta senhora de 86 anos comia apenas um "rotllo" por dia. Ou seja, um paõzinho apenas. Essa dieta de campo de concentração foi graças a salvadora ( para os bancos? ) política desde Madrid que condenou os trabalhadores a fome e ao desemprego. E agora mais ainda ao despejo de suas casas.

Esta senhora me relatou a situação precária de seus compatriotas que, para se intitularem europeus, pagam um preço irreal, desnecessário e imoral. Em condições típicas dizer que sair da Espanha, Girona, para Piabetá é um fato isolado que não representaria a realidade espanhola e mesmo européia. Posso dizer que Poisson me auxiliaria a provar que, exatamente, por este fato está aí representada a mais rasa e suja realidade: a submissão ao capital especulativo, que viveu e fez viver a fantasia do dinheiro fácil, à custa de antípodas asiáticos, africanos, latino-americanos que drenaram as suas riquezas em direção a Europa e ao EUA.

São os mesmos que botaram a Espanha de  joelhos, juntamente a Grécia, Irlanda, Portugal, Islândia e agora Itália (dentre vários), que apregoam medidas financeiras irresponsáveis cuja única meta é abarrotar ainda mais o baú de especuladores. Será que não cabe na cabeça de uns inocentes úteis daqui de nossas plagas que, seguindo este caminho, estaremos todos nós comendo apenas um "rotllo" por dia? E que teremos vergonha de lembrar que fomos capazes um dia de prover ao pobre viajor emigrante as refeições que lhe negaram na terra natal ?  

É exatamente o que está agora movendo as manchetes da nossa mídia, alugada para este fim:  enganar. Faz-me lembrar aquela historinha do Chapeuzinho Vermelho ( nenhuma alusão ao "barrete frígio" ):

- Por que este juro tão grande vovozinha?
- Pra conter a inflação Chapeuzinho
- Por que este desemprego tão alto vovozinha? 
- Pra conter a inflação Chapeuzinho.
- Pra que esta dependência tão grande ao capital internacional vovozinha?
- Pra te comer melhor Chapeuzinho. Será que não percebe? Garota burra e ingênua.

A minha companheira de trabalho espanhola serve como prova viva que não é um fenômeno raro e que, exatamente por estar aqui em Piabetá, serve como prova estatística. Esta companheira não é nem burra nem ingênua: salvou a sua vida e de sua avó, e sabe muito bem diferir o que é ilusionismo capitalista e realidade produtiva.  Varre todas estas salas para prover quatro refeições por dia a sua família.
Disse para mim semana passada, até com certa tristeza por não podê-lo: "Si jo vaig votar, vot en Dilma"