quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Chego cedo ao trabalho, exatamente para poder ler com calma e decifrar o que a mídia, os blogs e os e-mails que faz parte minimamente da obrigação de se manter informado; senão, "atualizado das fofocas", diria minha saudosa sogra. 
Como chego bem cedo encontro a equipe da limpeza das salas aqui da Secretaria de Segurança, quase na sua totalidade composta por senhoras; o quadro masculino serve aos serviços mais pesados. Pois bem, por aqui trabalha uma senhora, ou senhorita não sei bem, de nacionalidade espanhola. Chegou aqui há uns dois anos e conseguiu ir morar lá em Piabetá, Distrito de Magé ( ou de Caxias ? Não sei ao certo ). Sincronizada comigo ela chega, assim como as outras, lá pelas sete horas, ou mesmo antes. Depende do trem. 
Esta senhora  veio fugida do desemprego desde lá do Reino de Espanya, já que é catalã de Girona e mais precisamente, disse ela, da fome.

Já instalada em Piabetá, que fica na distante periferia da nossa metrópole, disse-me ela que passou a ter um  "esmozar" logo de manhã, um "dinar" lá pelas dez horas, um "almuerzo", um "entrepá" as quatro da tarde, e em casa, um "sopar". Chamou-me atenção que tanto no almoço e no jantar ela mencionava enfática que havia carne, ou peixe, ou frango, quase sempre.

Pois bem, já fazem uns meses ela trouxe a avó lá da cidadezinha de Taradell para Piabetá. A razão desta, até triste, mas salvadora migração: - esta senhora de 86 anos comia apenas um "rotllo" por dia. Ou seja, um paõzinho apenas. Essa dieta de campo de concentração foi graças a salvadora ( para os bancos? ) política desde Madrid que condenou os trabalhadores a fome e ao desemprego. E agora mais ainda ao despejo de suas casas.

Esta senhora me relatou a situação precária de seus compatriotas que, para se intitularem europeus, pagam um preço irreal, desnecessário e imoral. Em condições típicas dizer que sair da Espanha, Girona, para Piabetá é um fato isolado que não representaria a realidade espanhola e mesmo européia. Posso dizer que Poisson me auxiliaria a provar que, exatamente, por este fato está aí representada a mais rasa e suja realidade: a submissão ao capital especulativo, que viveu e fez viver a fantasia do dinheiro fácil, à custa de antípodas asiáticos, africanos, latino-americanos que drenaram as suas riquezas em direção a Europa e ao EUA.

São os mesmos que botaram a Espanha de  joelhos, juntamente a Grécia, Irlanda, Portugal, Islândia e agora Itália (dentre vários), que apregoam medidas financeiras irresponsáveis cuja única meta é abarrotar ainda mais o baú de especuladores. Será que não cabe na cabeça de uns inocentes úteis daqui de nossas plagas que, seguindo este caminho, estaremos todos nós comendo apenas um "rotllo" por dia? E que teremos vergonha de lembrar que fomos capazes um dia de prover ao pobre viajor emigrante as refeições que lhe negaram na terra natal ?  

É exatamente o que está agora movendo as manchetes da nossa mídia, alugada para este fim:  enganar. Faz-me lembrar aquela historinha do Chapeuzinho Vermelho ( nenhuma alusão ao "barrete frígio" ):

- Por que este juro tão grande vovozinha?
- Pra conter a inflação Chapeuzinho
- Por que este desemprego tão alto vovozinha? 
- Pra conter a inflação Chapeuzinho.
- Pra que esta dependência tão grande ao capital internacional vovozinha?
- Pra te comer melhor Chapeuzinho. Será que não percebe? Garota burra e ingênua.

A minha companheira de trabalho espanhola serve como prova viva que não é um fenômeno raro e que, exatamente por estar aqui em Piabetá, serve como prova estatística. Esta companheira não é nem burra nem ingênua: salvou a sua vida e de sua avó, e sabe muito bem diferir o que é ilusionismo capitalista e realidade produtiva.  Varre todas estas salas para prover quatro refeições por dia a sua família.
Disse para mim semana passada, até com certa tristeza por não podê-lo: "Si jo vaig votar, vot en Dilma" 
    

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