sexta-feira, 18 de julho de 2014

El meu company catalá

Chego cedo ao trabalho, exatamente para poder ler com calma e decifrar o que a mídia, os blogs e os e-mails que faz parte minimamente da obrigação de se manter informado; senão, "atualizado das fofocas", diria minha saudosa sogra. 
Como chego bem cedo encontro a equipe da limpeza das salas aqui da Secretaria de Segurança, quase na sua totalidade composta por senhoras; o quadro masculino serve aos serviços mais pesados. Pois bem, por aqui trabalha uma senhora, ou senhorita não sei bem, de nacionalidade espanhola. Chegou aqui há uns dois anos e conseguiu ir morar lá em Piabetá, Distrito de Magé ( ou de Caxias ? Não sei ao certo ). Sincronizada comigo ela chega, assim como as outras, lá pelas sete horas, ou mesmo antes. Depende do trem. 
Esta senhora  veio fugida do desemprego desde lá do Reino de Espanya, já que é catalã de Girona e mais precisamente, disse ela, da fome.

Já instalada em Piabetá, que fica na distante periferia da nossa metrópole, disse-me ela que passou a ter um  "esmozar" logo de manhã, um "dinar" lá pelas dez horas, um "almuerzo", um "entrepá" as quatro da tarde, e em casa, um "sopar". Chamou-me atenção que tanto no almoço e no jantar ela mencionava enfática que havia carne, ou peixe, ou frango, quase sempre.

Pois bem, já fazem uns meses ela trouxe a avó lá da cidadezinha de Taradell para Piabetá. A razão desta, até triste, mas salvadora migração: - esta senhora de 86 anos comia apenas um "rotllo" por dia. Ou seja, um paõzinho apenas. Essa dieta de campo de concentração foi graças a salvadora ( para os bancos? ) política desde Madrid que condenou os trabalhadores a fome e ao desemprego. E agora mais ainda ao despejo de suas casas.

Esta senhora me relatou a situação precária de seus compatriotas que, para se intitularem europeus, pagam um preço irreal, desnecessário e imoral. Em condições típicas dizer que sair da Espanha, Girona, para Piabetá é um fato isolado que não representaria a realidade espanhola e mesmo européia. Posso dizer que Poisson me auxiliaria a provar que, exatamente, por este fato está aí representada a mais rasa e suja realidade: a submissão ao capital especulativo, que viveu e fez viver a fantasia do dinheiro fácil, à custa de antípodas asiáticos, africanos, latino-americanos que drenaram as suas riquezas em direção a Europa e ao EUA.

São os mesmos que botaram a Espanha de  joelhos, juntamente a Grécia, Irlanda, Portugal, Islândia e agora Itália (dentre vários), que apregoam medidas financeiras irresponsáveis cuja única meta é abarrotar ainda mais o baú de especuladores. Será que não cabe na cabeça de uns inocentes úteis daqui de nossas plagas que, seguindo este caminho, estaremos todos nós comendo apenas um "rotllo" por dia? E que teremos vergonha de lembrar que fomos capazes um dia de prover ao pobre viajor emigrante as refeições que lhe negaram na terra natal ?  

É exatamente o que está agora movendo as manchetes da nossa mídia, alugada para este fim:  enganar. Faz-me lembrar aquela historinha do Chapeuzinho Vermelho ( nenhuma alusão ao "barrete frígio" ):

- Por que este juro tão grande vovozinha?
- Pra conter a inflação Chapeuzinho
- Por que este desemprego tão alto vovozinha? 
- Pra conter a inflação Chapeuzinho.
- Pra que esta dependência tão grande ao capital internacional vovozinha?
- Pra te comer melhor Chapeuzinho. Será que não percebe? Garota burra e ingênua.

A minha companheira de trabalho espanhola serve como prova viva que não é um fenômeno raro e que, exatamente por estar aqui em Piabetá, serve como prova estatística. Esta companheira não é nem burra nem ingênua: salvou a sua vida e de sua avó, e sabe muito bem diferir o que é ilusionismo capitalista e realidade produtiva.  Varre todas estas salas para prover quatro refeições por dia a sua família.
Disse para mim semana passada, até com certa tristeza por não podê-lo: "Si jo vaig votar, vot en Dilma" 
    

Ainda Copa

Tive que escrever hoje sobre a Argentina, motivado, estimulado diria, ou melhor, muito intrigado pela conversa de elevador com uma senhora que para ser gentil puxou assunto dizendo que queria ver os argentinos perderem no domingo. Pensava ela que eu daria assunto sobre futebol. Não conseguindo seu intento reforçou a “bronca” ( a dita bronca senhora, muito elegante mas bronca ): - “Não suporto os argentinos”. Aí tive que responder: “Pois eu gosto muito do estilo deles, sul-americanos como nós”. O que deixou a dita senhora perplexa. Como gostar de argentinos? Pano rápido: esta senhora representa boa parte da população brasileira, ainda tosca no sentido sócio-político e cultural.
Devo esclarecer que este sentimento foi enculcado após os anos 60, pois em época anterior a esta, quando o tango argentino estava difundido entre nós e frequentava os salões de dancings e gafieiras, o sentimento era outro. Lembro Ernesto Nazareth que compôs “Odeon”, “Esta chumbado” tangos brasileiros tocados até hoje sob os mais diferentes arranjos e roupagens musicais.
Mas a reflexão que quero fazer remonta a tempos mais antigos, passando pela Guerra das Malvinas.
Primeiramente quero lembrar a Guerra do Paraguay, apoiada, estimulada e financiada contra o ditador Solano Lopez, que era um exemplo de insolência ao Império Britânico; um exemplo a não ser seguido pelas recém-nascidas nações sul-americanas. Os ingleses já eram experientes na arte da intriga. Entenda-se que Disraeli, que então ditava as cartas na corte da Rainha Vitória foi um dos mentores da “Lei dos Grãos”, que regulava impostos aos grãos importados; na sua maior parte de onde? Argentina. Nem se incomodou muito com o massacre de Peterloo que esta lei acabou provocando em Manchester (ainda há muito que falar sobre este episódio, prometo).
A Argentina com as suas grandes pastagens e seus grandes rebanhos abastecia com grãos e carne a Albion Vitoriana, logo depois a Eduardiana, e mesmo até recentemente. A taxação destes grãos custou muitas vidas em Manchester, Glasgow, Liverpool. Não preciso mais me estender sobre o tipo de relação que se criou entre a Inglaterra vitoriana e eduardiana e a ainda incipiente nação agrícola; dominação e a geração de uma classe social argentina cooptada e conivente.
Quando da Guerra das Malvinas, episódio burlesco criado pela ditadura argentina para tentar parecer patriótica e ainda tentar cooptar a opinião pública ( e conseguiu até ), a relação estabelecida desde antanho, ou seja, desde o século IXX, já não existia pois o Império Britânico já não era o mesmo que intrigava mundo afora. Lembro que Disraeli foi mestre nesta arte e muito das guerras do século IXX podem lhe ser creditadas. Por exemplo a Guerra dos Balcãs do século XX remonta aos tempos deste senhor que no Congresso de Berlim de 1878 arranjou uma paz que só dizia às vantagens da então Império Britânico. Uma paz que só existiu à força no período da Iugoslávia do Marechal Tito.
Mas voltando as Malvinas, após a Segunda Guerra Mundial pouco restou do “Império onde o sol nunca se punha” e a situação mudara devido a necessária reorientação geopolítica britânica exigida pela recém-criado tratado da OTAN. Já em 1968, o então primeiro-ministro trabalhista inglês Harold Wilson assinou um documento que não entrou em vigor imediatamente. Em 1970, foi eleito o conservador Edward Heath, o maestro, que o engavetou. De acordo com este documento, no seu artigo 4º, está definido: “O governo de sua Majestade Britânica reconhecerá a soberania argentina sobre as ilhas a partir da data a ser combinada. Essa data será fixada tão logo o governo de sua Majestade Britânica esteja satisfeito com as garantias e salvaguardas oferecidas pelos governos argentinos para defender os interesses dos seus habitantes” (FERREIRA, 2013). Nada indicava que tais salvaguardas não seria garantidas.
Pois bem, ocorre que a mencionada senhora do elevador e aqueles que caíram na esparrela do antagonismo gratuito entre argentinos e brasileiros não perceberam que novos interesses embarcaram nos antigos, aqueles dos britânicos. Por um lado valia a pena explorar a competição futebolística, pois garantia audiência radio-televisiva. Por outro lado angariava apoio a uma cisão econômica, pois há de se convir que a criação de um bloco econômico tal como o Mercosul contraria enormes interesses imperiais. Como diria aquela figura da mãe cômica de “Mon Oncle” de Jacques Tati: “Tout se communique”
Fico por aqui, mas prometo que ainda escreverei sobre o Massacre de Peterloo, hoje quase esquecido mas que serviu a causa feminista já em 1819. O lema do levante feminista à época era “Matem-nos como homens mas não nos vendam como escravas”. Aí uma lição do belo povo desta antiga e lendária Old Albion.

Fim da Copa


É, terminou; terminou após um mês de jogo de futebol quase todo dia.

Na sua maior parte, na classificação, foram três jogos por dia. Para mim, que não sou fanático por futebol, foi até muito. Mas confesso que já sinto saudades da Copa. Não dos jogos que assisti pela televisão, alguns até em trechos de gravações à posteriori, mas da Festa.
No bairro onde moro, onde há muitos albergues e hospedagens, o que mais via eram torcedores e torcedoras jovens de várias nacionalidades.
E como jovens que eram, bonitos. Parecia uma Torre de Babel, ouvia-se alemão, espanhol de diversos sotaques, bósnio, francês, inglês e até uns mais velhos que falavam welsh, galês.
Ouvi outros idiomas que não faço ideia de quais sejam.
Foi uma verdadeira festa e posso dizer do fundo do coração: não ha preço que pague. É como você fazer uma festa na sua casa e esta ser muito concorrida. Nos enche de encanto, quanto mais, cheia de meninas jovens lindas.
Festa é sempre bom.
Bom até para aqueles, que oprimidos, se alegram com esta comemoração, um simples jogo de futebol.
Está até nas Escrituras, Provérbios 15:15 "Todos os dias do oprimido são maus, mas o coração alegre é um banquete contínuo". É por esta razão que a festa alegrou meu coração, independentemente dos custos e
dos ganhos, que afinal foram enormes. O mais importante foi este ganho imaterial da alegria, mesmo com derrotas. Afinal fomos solidários com os demais (29) vinte e nove países. Os outros três se alegraram na comemoração dos jogos: Alemanha, Argentina e Holanda. Nós e mais vinte nove não tivemos a mesma sorte, por razões mais variadas, algumas até indizíveis, mas a alegria de receber foi somente nossa.
No entanto após ouvir as mais variadas opiniões de entendidos de futebol (derrotados, mas continuam entendidos) que sabem explicar a derrota, fico buscando em outro extremo a causa de tamanho sucesso do
certame. Não faltou avião, não faltou hotel, não faltou ordem, não faltou telecomunicação. Só faltou futebol brasileiro, mas de resto todo mundo viu a grandiosidade de estádios e do espetáculo. A causa do sucesso, qual seria?
Temos que lembrar também que houve quem destoasse, palavrões, xingamentos, cambismo, mas realmente não chegou a arranhar a imagem  e o bonito.
Qual seria a causa de tamanho sucesso?
Ah, simples: simplesmente o povo quis.
Muitos nem perceberam, tão longe que estão do Povo e da realidade.