sexta-feira, 18 de julho de 2014

Ainda Copa

Tive que escrever hoje sobre a Argentina, motivado, estimulado diria, ou melhor, muito intrigado pela conversa de elevador com uma senhora que para ser gentil puxou assunto dizendo que queria ver os argentinos perderem no domingo. Pensava ela que eu daria assunto sobre futebol. Não conseguindo seu intento reforçou a “bronca” ( a dita bronca senhora, muito elegante mas bronca ): - “Não suporto os argentinos”. Aí tive que responder: “Pois eu gosto muito do estilo deles, sul-americanos como nós”. O que deixou a dita senhora perplexa. Como gostar de argentinos? Pano rápido: esta senhora representa boa parte da população brasileira, ainda tosca no sentido sócio-político e cultural.
Devo esclarecer que este sentimento foi enculcado após os anos 60, pois em época anterior a esta, quando o tango argentino estava difundido entre nós e frequentava os salões de dancings e gafieiras, o sentimento era outro. Lembro Ernesto Nazareth que compôs “Odeon”, “Esta chumbado” tangos brasileiros tocados até hoje sob os mais diferentes arranjos e roupagens musicais.
Mas a reflexão que quero fazer remonta a tempos mais antigos, passando pela Guerra das Malvinas.
Primeiramente quero lembrar a Guerra do Paraguay, apoiada, estimulada e financiada contra o ditador Solano Lopez, que era um exemplo de insolência ao Império Britânico; um exemplo a não ser seguido pelas recém-nascidas nações sul-americanas. Os ingleses já eram experientes na arte da intriga. Entenda-se que Disraeli, que então ditava as cartas na corte da Rainha Vitória foi um dos mentores da “Lei dos Grãos”, que regulava impostos aos grãos importados; na sua maior parte de onde? Argentina. Nem se incomodou muito com o massacre de Peterloo que esta lei acabou provocando em Manchester (ainda há muito que falar sobre este episódio, prometo).
A Argentina com as suas grandes pastagens e seus grandes rebanhos abastecia com grãos e carne a Albion Vitoriana, logo depois a Eduardiana, e mesmo até recentemente. A taxação destes grãos custou muitas vidas em Manchester, Glasgow, Liverpool. Não preciso mais me estender sobre o tipo de relação que se criou entre a Inglaterra vitoriana e eduardiana e a ainda incipiente nação agrícola; dominação e a geração de uma classe social argentina cooptada e conivente.
Quando da Guerra das Malvinas, episódio burlesco criado pela ditadura argentina para tentar parecer patriótica e ainda tentar cooptar a opinião pública ( e conseguiu até ), a relação estabelecida desde antanho, ou seja, desde o século IXX, já não existia pois o Império Britânico já não era o mesmo que intrigava mundo afora. Lembro que Disraeli foi mestre nesta arte e muito das guerras do século IXX podem lhe ser creditadas. Por exemplo a Guerra dos Balcãs do século XX remonta aos tempos deste senhor que no Congresso de Berlim de 1878 arranjou uma paz que só dizia às vantagens da então Império Britânico. Uma paz que só existiu à força no período da Iugoslávia do Marechal Tito.
Mas voltando as Malvinas, após a Segunda Guerra Mundial pouco restou do “Império onde o sol nunca se punha” e a situação mudara devido a necessária reorientação geopolítica britânica exigida pela recém-criado tratado da OTAN. Já em 1968, o então primeiro-ministro trabalhista inglês Harold Wilson assinou um documento que não entrou em vigor imediatamente. Em 1970, foi eleito o conservador Edward Heath, o maestro, que o engavetou. De acordo com este documento, no seu artigo 4º, está definido: “O governo de sua Majestade Britânica reconhecerá a soberania argentina sobre as ilhas a partir da data a ser combinada. Essa data será fixada tão logo o governo de sua Majestade Britânica esteja satisfeito com as garantias e salvaguardas oferecidas pelos governos argentinos para defender os interesses dos seus habitantes” (FERREIRA, 2013). Nada indicava que tais salvaguardas não seria garantidas.
Pois bem, ocorre que a mencionada senhora do elevador e aqueles que caíram na esparrela do antagonismo gratuito entre argentinos e brasileiros não perceberam que novos interesses embarcaram nos antigos, aqueles dos britânicos. Por um lado valia a pena explorar a competição futebolística, pois garantia audiência radio-televisiva. Por outro lado angariava apoio a uma cisão econômica, pois há de se convir que a criação de um bloco econômico tal como o Mercosul contraria enormes interesses imperiais. Como diria aquela figura da mãe cômica de “Mon Oncle” de Jacques Tati: “Tout se communique”
Fico por aqui, mas prometo que ainda escreverei sobre o Massacre de Peterloo, hoje quase esquecido mas que serviu a causa feminista já em 1819. O lema do levante feminista à época era “Matem-nos como homens mas não nos vendam como escravas”. Aí uma lição do belo povo desta antiga e lendária Old Albion.

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