quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Cismando a fila dos diligentes

    Da minha janela, no imponente prédio da Central do Brasil, com seu magnífico relógio, no centro do Rio de Janeiro, palco de manifestações históricas, posso ver o povo que sai dos trens e continua na sua luta para chegar ao lugar de trabalho; ou por ônibus, ou por metrô. Testemunhas e atores de uma luta que remonta à herança de um Estado prestativo para com os donos deste mesmo Estado, servil aos interesses do capital. A História conta e prova esta assertiva. Os trens que criados no final do século IXX, tiveram na construção deste imponente monumento art-deco, pronto em 1937, já no século XX, o apogeu do serviço e a marca indelével da era Getuliana. Populista, dizem alguns bem nascidos. Desde então o Estado deixa este serviço, deficitário por certo, apodrecer na incúria e na pactuação com os fabricantes de veículos (ônibus em chassis de  caminhões) recém instalados por JK, para transportar tudo, destruindo a ferrovia, inclusive a de carga, de forma impune. Hoje pagamos o preço, alto, desta traição. Seja no frete do tomate, seja no frete do aço, seja no transporte de passageiros. Hoje olho com a razão, mas outrora via este lugar com o terceiro olho da infância.
    Lembro que, onde hoje vejo a fila de espera dos ônibus, havia sobrados remanescentes da Rua General Pedra, que fora destruída para dar passagem a Avenida Presidente Vargas. Sobrados estes que em época de eleição, alugavam espaços na janela para a instalação de altofalantes, que propagandizavm os candidatos. Ou achavam que assim o faziam, pois o berreiro era tanto e os candidatos mais ainda, que o efeito desta propaganda talvez fosse o oposto desejado pelos canditados que gastavam ali suas verbas de campanha, muitas vezes mal explicadas.
    Lembro-me, pela mão de meu pai, saindo em 1950 da gare da Central e dando de frente com aquele espetáculo que, por tanto e negros anos, ficou silenciado. À época, com a intuição de criança, via que aquilo, aquela barulheira que me desagradava, ainda seria melhor que o silêncio.
    Hoje observo em silêncio a fila de ônibus. Trabalhadores que há pouco estavam desempregados, pacientes na espera daquilo que tanto lhes fora negado pelos bem nascidos, o trabalho. A demora na fila do ônibus, às vezes na chuva, em nada se compara a espera do emprego, do salário parco no final do mês. 
    Da janela continuo observando aquele espetáculo de dignidade. Fico cismando a fila, lembro de meu pai, e pensando o pensamento lá daqueles diligentes em direção ao trabalho. Lembro Provébios 12:27: "O preguiçoso não assará a sua caça, mas o bem precioso do home é ser ele diligente"

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