quinta-feira, 6 de junho de 2013

Da janela vejo


     Da minha janela, no imponente prédio da Central do Brasil, com seu magnífico relógio, no centro do Rio de Janeiro, palco de manifestações históricas, posso ver o povo que sai dos trens e continua na sua luta para chegar ao lugar de trabalho; ou por ônibus, ou por metrô. Testemunhas e atores de uma luta que remonta à herança de um Estado prestativo para com os outros, que não os do trabalho, mas os da renda, servil aos interesses do capital. A História conta e prova esta assertiva.
    Os trens que criados no final do século IXX, tiveram na construção deste imponente monumento art-decô, pronto em 1937, já no século XX, o apogeu do serviço e a marca indelével da era Getuliana. Populista, dizem alguns bem nascidos. Desde então o Estado deixa este serviço, deficitário por certo, apodrecer na incúria e na pactuação com os fabricantes de veículos (ônibus em chassis de caminhões) recém instalados por JK, para transportar tudo, destruindo a ferrovia, inclusive a de carga, de forma impune. Hoje pagamos o preço, alto, desta traição. Seja no frete do tomate, seja no frete do aço, seja no transporte de passageiros. Hoje olho com a razão, mas outrora via este lugar com o terceiro olho da infância.
     Lembro que, onde hoje vejo a fila de espera dos ônibus, havia sobrados remanescentes da Rua General Pedra, que foi destruída para dar passagem a Avenida Presidente Vargas. Sobrados estes que em época de eleição, alugavam espaços na janela para a instalação de alto-falantes, que alardeavam a propaganda dos candidatos. Ou achavam que assim o faziam, pois o berreiro era tanto e os candidatos mais ainda, que o efeito desta propaganda talvez fosse o oposto desejado pelos candidatos que gastavam ali suas verbas de campanha, muitas vezes mal explicadas.
     Lembro-me, pela mão de meu pai, saindo em 1950 da gare da Central e dando de frente com aquele espetáculo que, por tanto e negros anos, ficou silenciado. À época, com a intuição de criança, via que aquilo, aquela barulheira que me desagradava, ainda seria melhor que o silêncio.
     Hoje observo em silêncio a fila de ônibus. Trabalhadores que há pouco estavam desempregados, pacientes na espera daquilo que tanto lhes fora negado pelos bem nascidos, o trabalho. A demora na fila do ônibus, às vezes na chuva, em nada se compara a espera do emprego, do salário parco no final do mês.
     Da janela continuo observando aquele espetáculo de dignidade. Fico cismando a fila, lembro de meu pai, e pensando o pensamento lá daqueles diligentes em direção ao trabalho. Lembro Provérbios 12:27: "O preguiçoso não assará a sua caça, mas o bem precioso do homem é ser ele diligente". Verdades perenes, que brotam da nascente da memória, vejo da janela.
     Da janela vejo também o Redentor, que lindo, da janela vejo a fila. Tudo à ver, tout à fait .

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