Da minha janela, no
imponente prédio da Central do Brasil, com seu magnífico relógio,
no centro do Rio de Janeiro, palco de manifestações históricas,
posso ver o povo que sai dos trens e continua na sua luta para chegar
ao lugar de trabalho; ou por ônibus, ou por metrô. Testemunhas e
atores de uma luta que remonta à herança de um Estado prestativo
para com os outros, que não os do trabalho, mas os da renda, servil
aos interesses do capital. A História conta e prova esta assertiva.
Os trens que criados no final
do século IXX, tiveram na construção deste imponente monumento
art-decô, pronto em 1937, já no século XX, o apogeu do serviço e
a marca indelével da era Getuliana. Populista, dizem alguns bem
nascidos. Desde então o Estado deixa este serviço, deficitário por
certo, apodrecer na incúria e na pactuação com os fabricantes de
veículos (ônibus em chassis de caminhões) recém instalados por
JK, para transportar tudo, destruindo a ferrovia, inclusive a de
carga, de forma impune. Hoje pagamos o preço, alto, desta traição.
Seja no frete do tomate, seja no frete do aço, seja no transporte de
passageiros. Hoje olho com a razão, mas outrora via este lugar com o
terceiro olho da infância.
Lembro que, onde hoje vejo a fila
de espera dos ônibus, havia sobrados remanescentes da Rua General
Pedra, que foi destruída para dar passagem a Avenida Presidente
Vargas. Sobrados estes que em época de eleição, alugavam espaços
na janela para a instalação de alto-falantes, que alardeavam a
propaganda dos candidatos. Ou achavam que assim o faziam, pois o
berreiro era tanto e os candidatos mais ainda, que o efeito desta
propaganda talvez fosse o oposto desejado pelos candidatos que
gastavam ali suas verbas de campanha, muitas vezes mal explicadas.
Lembro-me, pela mão de meu pai,
saindo em 1950 da gare da Central e dando de frente com aquele
espetáculo que, por tanto e negros anos, ficou silenciado. À época,
com a intuição de criança, via que aquilo, aquela barulheira que
me desagradava, ainda seria melhor que o silêncio.
Hoje observo em silêncio a fila
de ônibus. Trabalhadores que há pouco estavam desempregados,
pacientes na espera daquilo que tanto lhes fora negado pelos bem
nascidos, o trabalho. A demora na fila do ônibus, às vezes na
chuva, em nada se compara a espera do emprego, do salário parco no
final do mês.
Da janela continuo observando
aquele espetáculo de dignidade. Fico cismando a fila, lembro de meu
pai, e pensando o pensamento lá daqueles diligentes em direção ao
trabalho. Lembro Provérbios 12:27: "O preguiçoso não assará
a sua caça, mas o bem precioso do homem é ser ele diligente".
Verdades perenes, que brotam da nascente da memória, vejo da janela.
Da janela vejo também o Redentor, que lindo, da janela vejo a fila. Tudo à ver, tout à fait .
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