I-
Complexidade e equilíbrio
Ler o “Pensamento da
Complexidade” de Edgar Morin (anexo)
nos remete a questões práticas tanto no campo da educação,
quanto no campo da administração e análise de sistemas. Abordar
cada uma destas implicaria no desenvolvimento de um extenso trabalho,
o que foge ao escopo deste breve documento. Cabe aqui apenas abordar
questões que possam aglutinar conceitos e referências que
interessem à reflexão e ao desdobramento do pensamento sobre
sistemas complexos.
A partir da percepção que o
conhecimento, e mesmo a ciência como sua forma organizada, é
extensão de competências e o desdobramento de funções biológicas,
sem que isso implique descartar crenças e convicções religiosas, é
possível perceber que a busca pelo equilíbrio energético e a
eliminação de perdas e desperdício, passa ser o curso da evolução
humana, ainda que à custa de, episódios de perda e destruição,
através de um processo empírico de tentativas e erros. Os desastres
na evolução dos seres vivos no planeta vão deste a extinção do
Cambriano-Ordoviciano, por razões que a ciência está há muito
para descobrir, até as Guerras Mundiais e outras em grande e pequena
escala, que estão igualmente a desafiar sociólogos, historiadores,
economistas, psicólogos e demais cientistas. A primeira extinção
aparentemente se deu pelo esgotamento de oxigênio nos oceanos
criados pelos próprios seres vivos, e as guerras nem resta dúvida
de quem sejam obra.
Estes eventos separados por
uns quinhentos milhões de anos, um nada em termos de evolução, tem
como base a contínua e perene dualidade competição-colaboração.
Estes dois sentidos do comportamento, estas duas direções
intrínsecas da natureza viva, em algumas ocasiões fogem de seu
sensível equilíbrio e desencadeiam desastres.
Pode ser percebido então que
a manutenção do equilíbrio entre competição e colaboração,
depende continuamente de evolução. Somente em estado de evolução
este equilíbrio se verifica. O equilíbrio deriva da oposição
homeostática à inexorável tendência a que está submetida a
matéria, a degradação material, a entropia. Ocorre que este
equilíbrio se deve a capacidade dos seres vivos a tentar garantir a
sua reprodução, e isto é feito por processo colaborativo. Humberto
Maturana e Francisco Varela, biólogos chilenos, formularam o
princípio da autopoiese, que mais tarde evolui para o pensamento
filosófico de Deleuze.
Tal princípio estabelece o equilíbrio do ser vivo com o meio,
equilíbrio este entre a degradação e a colaboração reprodutiva,
que evoluiu até a reprodução sexuada. Maior e mais forte
componente da evolução humana, seja no domínio do consciente, seja
no domínio do inconsciente, e que move a maior parte das atividades
humanas. Seja em direção a reprodução colaborativa, seja em
direção a competição.
Tomando como base o conceito
de “equilíbrio autopoiético”, podemos então buscar o que
podemos chamar de tentativa de equilíbrio, através do “conhecimento
pertinente” como o denomina Edgar Morin, equilíbrio este que,
minimizando desperdício, imitando a natureza, nos afaste dos
conflitos e da incompreensão da natureza humana em toda a sua
extensão, desde a sua condição de ser biológico até a sua
aglutinação social, sob as mais diversas formas, desde a
vizinhanças do prédio até ao país e ao coletivo ideológico. Para
tanto é necessário não mais ver o mundo sob a perspectiva
fragmentária mas percebendo a complexidade de sua existência. Como
dizia Dag Hammarskjöld,
“olhar para as estrelas, através da copa das árvores”. Edgar
Morin organizou e formalizou este pensamento, o pensamento da
complexidade, como forma de evitar a fragmentação da percepção da
realidade; daí evitando os conflitos destrutivos. Entendo que aí
reside uma das principais missões dos educadores modernos: fazer
perceber a realidade
e capacitar a melhorá-la.
II-
Interdependência e Complexidade
O conceito da
interdependência, derivado do princípio da autopoiese como dito
anteriormente, parte do fato que qualquer sistema produtivo, só e
somente só alcançará o seu objetivo, gerar um produto
repetidamente, se estabelecer com o mundo externo, via sistemas
colaborativos, relações múltiplas de troca e de energia e, por sua
vez, ser colaborativo com outros sistemas. Ou seja, só terá sucesso
se colaborar com outros sistemas e se se comportar colaborativamente
com demais outros..
Para exemplificar este
princípio fizemos no
passado (no livro “A árvore da acácia”) uma
analogia com um
sistema de
produção que a
natureza engendrou para produção
de energia para a célula utilizando um outro pequeno sistema, ou
pequeno órgão (organela), uma outra célula com a função de
tratar da sua
“respiração”, ou
metabolismo. Os
cientistas acreditam que essa organela, a
mitocôndria,
inicialmente era um ser procarioto que invadiu ou foi fagocitado por
outro organismo primitivo. Não se sabe o real motivo, mas esse
procarioto não foi digerido e as duas células passaram a viver em
simbiose. O mecanismo
bioquímico que funciona nesta organela, foi descrito
pelo cientista William
Krebs (1918-2009)
Prêmio Nobel de 1992,
daí o nome que é dado a este mecanismo, descrito como ciclo do
ácido tricarboxílico,
ou
Ciclo de Krebs.
O principal
produto ou função da
mitocôndria é agir
como via final comum de oxidação das moléculas orgânicas
(carbonatos, lípidos, aminoácidos), através da acetil-CoA e seu
substrato. Ou seja,
tendo como produto principal a molécula de ATP , o faz gerando
ainda produtos
associados como é o caso do ácido pirúvico, e este por sua vez é
utilizado na produção de outros três produtos associados:
acetil-coenzima
A, gás
carbônico e
hidrogênios.
O CO2
é liberado e os hidrogênios
são capturados por uma molécula de NADH2
formadas nessa reação.
Como podemos ver a natureza
engendrou uma solução através da associação de sistemas
colaborativos para o metabolismo, através de um outro sistema
previamente existente, e passou a gerar ainda outros subprodutos. A
produção de ATP pela mitocôndria para uma célula de um outro
sistema, se faz associando colaborativamente outros subsistemas
gerando outros subprodutos, que são também utilizados no processo
produtivo.
Não é objeto deste documento
expor a perfeição do equilíbrio termodinâmico das reações que
ocorrem neste sistema, ou melhor, nestes sistemas. Mas esta analogia
descrita em 2000 no “Arvore da acácia” serviu como “prova”
de cooperação simbiótica que a natureza deu, onde dois sistemas
distintos aplicaram o princípio de autopoiese para gerar um
terceiro.
Para que houvesse sucesso
neste processo estabeleceu-se uma interdependência entre vários
estratos dos sistemas vivos, complexos por natureza. Tal
interdependência exerce uma complexidade que é própria para a
sustentação da vida. Complexidade é a marca da vida; vida implica
em complexidade.
III –
Equilíbrio e Antagonismo
Como antes mencionado, a
sobrevivência, ou vivência melhor dizendo, dos sistemas complexos
implica no equilíbrio entre cooperação e competição entre
sistemas. Com esta informação podemos deduzir que a sobrevivência
de um sistema implica por sua vez na sobrevivência de vários.
Com um pouco mais de dedução
podemos também afirmar que o conjunto dos sistemas vivos, e aí se
inclui a sociedade humana, é democrática na sobrevivência e na
morte, pois que depende a sobrevivência de metade mais um de sua
população. È claro que estando se utilizando agora desta metáfora,
não estará distante a convicção de que existirá um número tal
que menor que este todo o sistema vivo colapsa. Aliás, todo o
sistema natural ou artificial depende e está sujeito a esta
proporcionalidade.
A percepção desta
proporcionalidade foi realçada a partir da obra do cientista
austríaco Ludwig von Bertallanfy que cria a “Teoria Geral dos
Sistemas” em 1950 e que mostra os níveis populacionais em culturas
sendo equilibrados por processos de competição versus colaboração,
absolutamente visível na curva “S”, ou curva logística. Ver o
magnífico trabalho “Modelo
de von Bertalanffy generalizado aplicado as curvas de crescimento
animal”
Como podemos perceber, com
base no exposto até aqui, é que a colaboração e competição são
processos que estão intrinsecamente ligados na manutenção da vida.
Na bioquímica tal dualidade se apresenta como sistemas agonistas e
antagonistas que convivem e colaboram para a estabilidade. O
conhecimento sobre antagonismo em sistemas bioquímicos é
desenvolvido na pesquisa científica na busca da saúde .
Os processos de estabilidade sempre estarão garantidos pela
existência de antagônicos. Ou seja, competitivos mas colaborativos.
A
partir da aquisição do conceito biológico “agonista /
antagonista” podemos então estendê-lo a ao conhecimento de
sistemas de mais alto nível, seja na psicanálise, seja na
psicologia e também aplicadas ao cabedal pedagógico quando se
defronta com questões da alteridade. O outro antagônico passa ser
elemento de construção no lugar de destruição. Pode-se dizer que
perceber tal complexidade no devir da atividade pedagógica implicará
na prática dos princípios anunciados por Edgar Morin.
Procuramos
pavimentar o caminho da epistemologia da complexidade com analogia
biológica, mas sabemos que poderíamos partir de análogos de outras
áreas do conhecimento. Assim como a Teoria Gral dos Sistemas de
Bertallanfy serve à evolução da ciência da administração que
está permeada por complexos sistemas da atividade econômica, da
logística, etc..., a ciência da Educação estará submetida a
complexidade das agonistas ações didáticas e de seus antagonistas
processos da criação e da imaginação, que ao mesmo tempo que
competem pela atenção e dedicação, auxiliam na percepção da
realidade em que se inserem “ensinantes e “aprendentes”, como
diria Paulo Freire.
V
– A teoria e a experiência
Ainda
que baseado nosso pensamento nos conhecimentos herdados desde outras
categorias, como vimos até aqui, nós os “ensinantes”, temos a
responsabilidade de incentivar e de viabilizar a descoberta, a
criatividade e a curiosidade nos corações e mentes dos
“aprendentes”. Em síntese, temos que, como se refere Hannah
Arendt, “ter independência do conhecimento”.
Ainda
que entendendo, ou tentando entender, a dualidade do processo
cooperativo das contradições, nem somos obrigados a nos ater as
categorizações, nem tampouco depender de experiências alheias.
Pode parecer ser uma contradição com o princípio de evolução da
ciência através da acumulação de conhecimento; mas não é, pois
é através de rupturas e saltos que se dá a evolução. Quando se
trata de evolução do conhecimento, o equilíbrio quer dizer mesmo
evolução, ou ruptura. E somente se consegue a ruptura evolutiva,
com a busca da sabedoria. Apresentamos exemplos de analogias com
sistemas biológicos, mesmo sem ter a certeza absoluta das
comparações. Não se trata aqui de ter certeza, de se apoderar da
verdade, não é uma “verdade matemática”; apenas vemos que
buscar a sabedoria implica em aceitar as contradições e
inconsistências da “verdade estabelecida”.
A
própria evolução matemática acaba esbarrando em contradição, e
levou muito tempo para ser percebida, apenas nos anos trinta do
século passado (século XX), e teorizada por Kurt Gödel nos dois
teoremas conhecidos como os teoremas da incompletude de Gödel,
abaixo simplificadamente apresentados:
Teorema
1:
"Qualquer teoria ...capaz de apresentar
algumas
verdades básicas de aritmética não pode ser simultaneamente
completa
e consistente.
Isto
é,
sempre há em uma teoria dita
consistente,
proposições verdadeiras que
não podem ser demonstradas nem negadas."
Teorema
2: "Uma
teoria, recursivamente enumerável e capaz de expressar verdades
básicas da aritmética e alguns enunciados da teoria
da prova pode provar
sua própria consistência se,
e somente se, for
inconsistente.”
É
por este motivo então que, baseado na essência destes dois
teoremas, que, mesmo acreditando honestamente no que se apresentou,
somos obrigados humildemente a perseguir a sabedoria, mais do que o
conhecimento, principalmente quando a nossa missão é apresentar e
desafiar a complexidade nas mentes “aprendentes”.
Passar
da informação para o conhecimento, requer a busca das contradições
e dos agonistas/antagonistas; mas passar do conhecimento para a
sabedoria requer a experiência. É famosa a frase de Gilles Deleuze
: “ Jamais interprete, experimente”.
Cabe
ao processo pedagógico, se realmente quer chegar a um resultado que
possa se chamar de sucesso, tentar estabelecer a contradição,
copiar a natureza que evolui e se equilibra por meio de opostos,
cooperação / competição, agonistas / antagonistas, sempre na
busca da utópica verdade. Cabe experimentar.
ANEXO
Sete princípios
de Edgard Morin
As cegueiras do
conhecimento: o erro e a ilusão
O conhecimento deve preparar o
indivíduo para enfrentar os riscos e as situações da vida diária
com sabedoria e discernimento. Para tal, é necessário que a
educação desenvolva as características cerebrais, mentais e
culturais para não induzirem ao erro ou ilusão.
Os princípios do
conhecimento pertinente
É primordial que os
educadores apresentem aos seus alunos realidades locais ao mesmo
tempo em que as contextualizem com acontecimentos do mundo. Isso
porque acontecimentos e conhecimentos fragmentados dificultam o
entendimento e o conhecimento global.
Ensinar
a condição humana
O
ser humano é uma unidade complexa. É um ser que ao mesmo tempo é
físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico. Assim,
as disciplinas escolares devem integrar os conteúdos promovendo o
desenvolvimento do humano na sua totalidade.
Ensinar
a identidade terrena
Mostrar
aos educandos que o acontecimento da localidade interfere na
totalidade e que tudo está interligado, ou seja, as decisões e
atitudes de um local podem atingir toda a humanidade pois vivemos em
uma imensa comunidade, com destino comum.
Enfrentar
as incertezas
É
preciso saber lidar com as incertezas, limitações, imprevistos e
novidades que surgem a cada dia. A escola deve preparar os alunos
para que sejam capazes de enfrentar esses desafios inesperados,
fortalecendo as suas estruturas mentais e assim resolvendo seus
problemas de modo construtivo baseado em situações anteriores.
Ensinar
a compreensão
A
comunicação não garante a compreensão e um dos obstáculos da
educação é a compreensão. Muitas vezes o mal entendido gera
conflitos e a diferença de cultura, a falta de respeito à liberdade
e o egocentrismo são fatores que devem ser observados para
compreender o outro e o eu. A compreensão favorece o pensar pessoal
e global.
Para
Morin,“se descobrirmos que somos todos seres falíveis, frágeis,
insuficientes, carentes, então podemos descobrir que todos
necessitamos de mútua compreensão.” (p.100)
Faz-se
necessário compreender o outro para que nesta troca também sejamos
compreendidos.
Mitocôndria
As
mitocôndrias
são as organelas celulares responsáveis pela respiração celular,
processo no qual as células conseguem produzir ATP por meio da
oxidação de moléculas orgânicas. O ATP é a molécula que
armazena energia para as principais atividades celulares. Graças a
essa função, o número de mitocôndrias é maior em locais que
requerem alto gasto de energia. As células do fígado, por exemplo,
apresentam em média duas mil mitocôndrias.
Essas
organelas são pequenas, apresentando-se com 1,5 a 10 mícron de
comprimento e até 1 mícron de diâmetro, tamanho similar ao de
bactérias. Seu formato é variável, mas normalmente possuem a forma
de bastonete e são encontradas em basicamente todas as células
eucarióticas.
A
mitocôndria apresenta dupla membrana lipoproteica, sendo a mais
externa lisa e a mais interna com invaginações que formam a crista
mitocondrial. A membrana interna é um local de síntese de ATP e,
além disso, delimita a matriz mitocondrial, local onde estão
presentes o DNA
e RNA mitocondriais, enzimas que participarão da respiração
celular e ribossomos. O DNA nessas organelas é circular, o que
lembra o DNA de bactérias.
A
presença de DNA próprio confere a essas organelas algumas
peculiaridades. As mitocôndrias possuem capacidade de
autoduplicação, dividem-se por fissão. Além disso, são chamadas
de semiautônomas, pois conseguem sintetizar algumas proteínas
necessárias a elas, entretanto não produzem todas.
Vale
destacar que o DNA mitocondrial é uma herança apenas materna, pois,
no processo de fecundação, as mitocôndrias paternas degeneram-se
e, portanto, apenas as presentes no gameta feminino foram
multiplicadas durante a formação do embrião. Sendo assim, a
sequência desse DNA é idêntica para todos os nossos parentes por
parte de mãe.
Em
razão da presença de DNA e RNA próprios, além da dupla membrana,
capacidade de autoduplicação e semelhança genética e química com
algumas bactérias, os cientistas acreditam que essa organela
inicialmente era um ser procarioto que invadiu ou foi fagocitado por
outro organismo primitivo. Não se sabe o real motivo, mas esse
procarioto não foi digerido e as duas células passaram a viver em
simbiose. Essa teoria é chamada de teoria
endossimbiótica e
também explica a origem dos plastos nas células vegetais. É
interessante notar que em uma célula vegetal, por exemplo, são
encontrados três tipos de DNA: o encontrado no núcleo, o encontrado
na mitocôndria e o dos plastídeos.
Por
Ma. Vanessa dos Santos
Edgar
Morin - “Introdução ao Pensamento Complexo” - Editora Sulina
2011